
Publicado em 1971, Incidente em Antares é o último romance de Érico Veríssimo.
"Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram são designados pelos seus nomes verdadeiros". Essa breve nota inicial já fornece uma idéia do tom irônico que permeia Incidente em Antares. No entanto, a ironia e a sátira não são os únicos elementos presentes na narrativa. Erico Verissimo considera Incidente em Antares uma espécie de estuário em que deságuam rios e riachos de várias de suas tendências e características literárias. Mosaico do universo criativo do autor, a obra ainda inclui uma pitada de fantástico, o que lhe dá um sabor exótico.
Semelhante a outros romances de Verissimo, Incidente em Antares tem um caráter panorâmico, onde uma vasta galeria de personagens vivencia os problemas de nosso tempo num microcosmo criado com visível deleite pelo escritor gaúcho.
Dona Quitéria ergue-se, depois de dar duas palmadinhas consoladoras no ombro do suicida, e diz em voz alta, como quem se dirige a uma assembléia:
- Precisamos fazer alguma coisa!
Cícero Branco congrega os outros seis cadáveres:
- Companheiros, não é por estar morto que vou deixar de ser o que fui em vida: um advogado. Estive arquitetando um plano...
- Fale! - ordena Dona Quitéria.
- Qual é o nosso objetivo? O de sermos sepultados dignamente, como é de nosso direito e de hábito, numa sociedade cristã.
- O doutor falou pouco mas bem! - exclamou Pudim de Cachaça.
- Escutem com a maior atenção. Você aí, Joãozinho, aproxime-se e escute também. A idéia é simples. Amanhã pela manhã marcharemos todos sobre a cidade para protestar...
- Uma greve contra os grevistas! - entusiasma-se Dona Quitéria.
- Se o fim da marcha é esse - intervém Barcelona -, não contem com este defunto.
- Espere - diz o advogado, tocando o braço do sapateiro. - Usemos de todas as nossas armas. Primeiro, a nossa condição de mortos. Sejamos mais vivos que os vivos.
- Como?
- Impondo à população de Antares a nossa presença macabra. Se não nos enterrarem dentro do prazo que vamos impor, empestaremos com a nossa podridão o ar da cidade.
- Que coisa horrorosa, doutor! - diz Erotildes, ajeitando os cabelos num gesto faceiro.
- Por que não se põe em votação a proposta do Dr. Cícero? - pergunta o sapateiro.
- Bom - faz o advogado. - Não direi que aqui em cima estejamos numa democracia. Imaginemos que isto é uma... uma tanatocracia. (E os sociólogos do futuro terão de forçosamente reconhecer este novo tipo de regime.) Preciso saber se todos vocês me aceitam como advogado, caso em que terão de me passar uma procuração verbal para eu agir em nome do grupo.
Dona Quitéria sacode a cabeça num movimento afirmativo. Erotildes, Pudim e Menandro a imitam. Barcelona, porém, hesita:
- Primeiro quero conhecer melhor o plano.
- Simples. Descemos juntos pela Rua Voluntários da Pátria ruma da Praça da República. Lá nos dispersaremos, cada qual poderá voltar à sua casa... Para isso teremos algumas horas. O essencial (prestem a maior atenção!) é que quando o sino da matriz começar a dar as doze badaladas do meio-dia, haja o que houver, todos devem encaminhar-se para o coreto da praça, sentar-se nos bancos em silêncio e ficar à minha espera.
- E que é que você vai fazer? - quer saber João Paz.
- Vou primeiro à minha casa buscar uns papéis importantes... Depois me dirigirei à residência do prefeito para lhe entregar um ultimato verbal... ou nos enterram dentro do prazo máximo de vinte e quatro horas ou nós ficaremos apodrecendo no coreto, o que será para Antares um enorme inconveniente do ponto de vista higiênico, estético... e moral, naturalmente."
2 comentários:
Então mas vocês agora andam todos a ler as mesmas coisas? O Mário começa a escrever sobre o Erico Verissimo e agora es tu... O Diogo escreve sobre o Harry Potter e o Mário está a le-los...
Pelo menos sabemos que alguém segue as nossas sugestões de leitura nem que seja... nós mesmos
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