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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O Clube dos Anjos Luis Fernando Verissimo


Eu ia começar esta postagem a dizer que o "meu Verissimo preferido" não tem nada a ver com o do Mário... mas quando andei a pesquisar na net à procura duma imagem da capa do livro descobri que o "meu" Verissimo é filho do do Mário.

Agora o livro.


"Tudo começou com o picadinho de carne com farofa de ovo e banana frita. Foi em volta de uma mesa adolescente que eles passaram a se reunir, até que os jantares se tornaram cada vez mais requintados – e sempre mensais, durante 21 anos. Eles tinham em comum uma afinidade animal e também o exercício de uma arte única: a gastronomia como prazer cultural e desafio filosófico. Até que um perverso e misterioso cozinheiro apareceu…"

Nem sei muito bem como o clasificar. É talvez uma mistura de policial com humor (tão caracteristico do autor - quem leu as crónicas dele sabe o que quero dizer).
É talvez, e muito resumidamente, uma história de mistério, uma insólita e bem humorada celebração da gula.
Acho que a melhor definição foi dada pelo autor numa entrevista publicada em:

http://www.editoras.com/objetiva/224-8.htm

O senhor diria que seu romance pertence ao gênero policial, ou seria mais uma brincadeira com o gênero, já que desde as primeiras páginas ficamos sabendo quem vai morrer e quem vai matar?

- É um policial porque envolve crimes e a revelação do motivo dos crimes, embora o criminoso seja conhecido desde a primeira página. Mas a intenção era apenas, usando as convenções da literatura policial, que são levemente parodiadas, contar a história de um grupo de pessoas.

Por que todos os integrantes do Clube do Picadinho são pessoas fracassadas na vida pessoal e profissional?

- O livro pretende ser um retrato, não muito realista, de uma determinada geração brasileira. São fracassados porque isto serve à trama, explica porque no fim todos se deixam matar, mas também porque eu queria dar a idéia do fim de uma geração inútil.

Para aqueles que não conhecem o tipo de humor do autor leiam a crónica dele publicada semanalmente no jornal EXPRESSO.

ou fiquem com estes exemplos:

O Que Dizer
Dez coisas para dizer quando um visitante mal informado
perguntar que buraco enorme é esse no chão. Jamais diga a verdade, que é
para um metrô que só ficará pronto quando o Cristo Redentor perder a
paciência, botar as mãos na cintura e ameaçar com intervenção. Ele não
vai acreditar.)
1— Foi um meteorito.
2 — Há insistentes rumores de guerra com a Argentina e o
governo está construindo abrigos anti-aéreos para a população.
3 — Que buraco?
4 — Todas as ruas estão sendo rebaixadas para aumentar a altura
dos prédios, que assim pagarão mais impostos.
5 — Está bem, está bem, mas e o problema dos negros nos
Estados Unidos?
6 — Estão procurando restos de uma antiga civilização que viveu
aqui, os Cariocas, gente de ótima disposição que desapareceu certo dia
durante um engarrafamento de trânsito. Até agora só recuperaram uma
camisa listrada, um reco-reco e um leque com a inscrição "Baile dos
Batutas, 19 e ilegível". Pouco se sabe dos Cariocas (nome indígena que
significa "não deixe para amanhã o que um paulista pode fazer por você
hoje"). Foram descobertos por marinheiros holandeses que procuravam
um caminho mais curto para o Bolero. Viviam das formas mais
rudimentares de agricultura, plantando bananeira na avenida e atirando
verde para colher maduro. Não deixaram descendentes. Outro dia correu
o boato de que tinha aparecido um Carioca no Degrau, mas foram
investigar e era só um gaúcho de brim desbotado, chiando muito. Mas as
escavações continuam.
7 — Como vamos todos entrar pelo cano, estão instalando um
bem grande.
8 — Você quer brigar?
9 — São as obras do novo aeroporto, e não faça mais perguntas.
10 — É para o metrô que só ficará pronto quando o... eu sabia que
você não ia acreditar.
Cinco coisas para dizer quando seu filho menor chegar em casa e
quiser saber o que é, pela ordem: contrato de risco, dívida externa e sexo.
1 — Vá dormir!
2 — Pergunte para a sua mãe.
3 — Pergunte para a sua mãe e depois venha me dizer.
4 — Contrato de risco é como se o papai mandasse você procurar
minhocas no quintal e, como o quintal é do papai, você ficava com parte
das minhocas e o papai com outra parte. Dívida externa é... como, que
parte da minhoca? Tanto faz, 40 por cento da minhoca para você e 60 para
mim.
Não, você não pode botar sua parte da minhoca no prato da sua
irmã. Não sei como é que se descobre qual é a cabeça e qual é o rabo da
minhoca, e não faz diferença. Está bem. Eu fico com os rabos. Esquece a
minhoca!
Dívida externa é como a mamãe pedir dinheiro emprestado para
o papai para pagar a loja, depois pedir dinheiro emprestado para a sua
avó – e sem me dizer nada! — para pagar o papai e depois pedir dinheiro
do papai para pagar a sua avó, e ainda gastando a minha gasolina no vaie-
vem!
Pode, pode botar sua parte das minhocas no prato da mamãe.
Agora sexo é mais ou menos como contrato de risco e dívida externa, só
que é fundamental saber onde fica tudo na minhoca. E vá dormir.
5 — Escuta aqui, com que turma você tem andado?
in "as mentiras que os homens contam"

Lembro-me como se fosse há oito bilhões de anos. Eu era uma célula
recém-chegada do fundo do miasma e ainda deslumbrado com a vida agitada da
superfície, e você era de lá, um ser superficial, vivida, viciada em amônia, linda,
linda. Nós dois queríamos e não sabíamos o quê. Namoramos um milhão de
anos sem saber o que fazer, aquela ânsia. Deve haver mais do que isto, amar
não deve ser só roçar as membranas. Você dizia "Eu deixo, eu deixo", e eu dizia
"O quê? O quê?", até que um dia. Um dia minhas enzimas tocaram as suas e
você gemeu, meu amor, "Assim, assim!". E você sugou meu aminoácido, meu
amor. Assim, assim. E de repente éramos uma só célula. Dois núcleos numa só
membrana até que a morte nos separasse. Tínhamos inventado o sexo e vimos
que era bom. E de repente todos à nossa volta estavam nos imitando, nunca
uma coisa pegou tanto. Crescemos, multiplicamo-nos e o mar borbulhava. O
desejo era fogo e lava e o nosso amor transbordava. Aquela ânsia. Mais, mais,
assim, assim. Você não se contentava em ser célula. Uma zona erógena era
pouco. Queria fazer tudo, tudo. Virou
ameba. Depois peixe e depois réptil, meu amor, e eu atrás. Crocodilo, elefante,
borboleta, centopéia, sapo e de repente, diante dos meus olhos, mulher. Assim,
assim! Deus é luxúria, Deus é a ânsia. Depois de bilhões de anos Ele acertara a
fórmula. "É isso!", gritei. "Não mexe em mais nada!"
— Quem sabe mais um seio?
— Não! Dois está perfeito.
— Quem sabe o sexo na cabeça?
— Não! Longe da cabeça. Quanto mais longe melhor! Linda, linda. Mas
algo estava errado. Não foi como antes.
— Foi bom?
— Foi.
— Qual é o problema?
— Não tem problema nenhum.
— Eu sinto que você está diferente.
— Bobagem sua. Só um pouco de dor de cabeça.
— No caldo primordial você não era assim.
— A gente muda, né? Nós não somos mais amebas.
E vimos que era complicado. Nunca reparáramos na nossa nudez e de
repente não se falava em outra coisa. Você cobriu seu corpo com folhas e eu
construí várias civilizações para esconder o meu. "Eu deixo, eu deixo — mas não
aqui." Não agora. Não na frente das crianças. Não numa segunda-feira! Só
depois de casar. E o meu presente? Depois você não me respeita mais. Você vai
contar para os outros. Eu não sou dessas. Só se você usar um quepe da
Gestapo. Você não me quer, você quer é reafirmar sua necessidade neurótica de
dominação machista, e ainda por cima usando as minhas ligas pretas. O quê?
Não faz nem três anos que mamãe morreu! Está bem, mas sem o chicote. Eu
disse que não queria o sexo na cabeça, Senhor!
— Nós somos como frutas, minha flor.
— Vem com essa...
— A fruta, entende? Não é o objetivo da árvore. Uma laranjeira não é
uma árvore que dá laranjas. Uma laranjeira é uma árvore que só existe para
produzir outras árvores iguais a ela. Ela é apenas um veículo da sua própria
semente, como nós somos a embalagem da vida. Entende? A fruta é um
estratagema da árvore para proteger a semente. A fruta é uma etapa, não é o
fim. Eu te amo, eu te amo. A própria fruta, se soubesse a importância que nós
lhe damos, enrubesceria como uma maçã na sua modéstia. Deixa eu só
desengatar o sutiã. A fruta não é nada. O importante é a semente. E a ânsia, é o
ácido, é o que nos traz de pé neste sofá. Digo, nesta vida. Deixa, deixa. A flor,
minha fruta, é um truque da planta para atrair a abelha. A própria planta é um
artifício da semente para se recriar. A própria semente é apenas a representação
externa daquilo que me trouxe à tona, lembra? A semente da semente, chega
pra cá um pouquinho. Linda, linda. Pense em mim como uma laranja. Eu só
existo para cumprir o destino da semente da semente da minha semente. Eu
estou apenas cumprindo ordens. Você não está me negando. Você está
negando os desígnios do Universo. Deixa.
— Está bem. Mas só tem uma coisa.
— O quê?
— Eu não estou tomando pílula.
— Então nada feito.
Mais, mais. Um dia chegaríamos a uma zona erógena além do Sol. Como
o pólen, meu amor, no espaço. Roçaríamos nossas membranas de fibra de
vidro, capacete a capacete, e nossos tubos de oxigênio se enroscariam e
veríamos que era difícil. Eu manipularia a sua bateria seca e você gemeria como
um besouro eletrônico. Asssssiiiim. Asssssiiiiim.
Um dia estaríamos velhos. Sexo, só na cabeça. As abelhas andariam a pé, nada
se recriaria, as frutas secariam. Eu afundaria na memória, de volta às origens do
mundo. (O mar tem um deserto no fundo.) Uma casca morta de semente, por
nada, por nada. Mas foi bom, não foi?
in:"sexo na cabeça"

2 comentários:

sergio disse...

compreendo a tua preferencia pelo Luis Fernando Verissimo em relação ao Erico...
Eu tambem sou fã do LFV...
Já das citações acho que do livro "sexo na cabeça" havia melhores. Por exemplo:

Aquilo

— De uns tempos para cá, eu só penso naquilo.
— Eu penso naquilo desde os meus, sei lá, 11 anos.
— Onze anos?
— E. E o tempo todo.
— Não. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que não
me preocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via
acontecer à nossa volta, não podia ignorar. Mas não era, assim, uma
preocupação constante. Como agora.
— Pra mim sempre foi. Aliás, eu não penso em outra coisa.
— Desde criança?!
— De dia e de noite.
— E como é que você conseguia viver com isso, desde criança?
— Mas é uma coisa natural. Acho que todo mundo é assim. Você é que
é anormal, se só começou a pensar naquilo nessa idade.
— Antes eu pensava, mas hoje é uma obsessão. Fico imaginando como
será. O que eu vou sentir. Como será o depois.
— Você se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer
naturalmente. Se você fica ansioso é pior. Aí sim, aquilo se torna uma angústia,
em vez de um prazer.
— Um prazer? Aquilo?
— Pra você não sei. Pra mim, é o maior prazer que um homem pode ter.
É quando o homem chega ao paraíso.
— Bom, se você acredita nisso, então pode pensar naquilo como um
prazer. Pra mim é o fim.
— Você precisa de ajuda, rapaz.
— Ajuda religiosa? Perdi a fé há muito tempo. Da última vez que falei
com um padre a respeito, só o que ele me disse foi que eu devia rezar. Rezar
muito, para poder enfrentar aquilo sem medo.
— Mas você foi procurar logo um padre? Precisa de ajuda psiquiátrica.
Talvez clínica, não sei. Ter pavor daquilo não é saudável.
— E eu não sei? Eu queria ser como você. Viver com a perspectiva
daquilo naturalmente, até alegremente. Ir para aquilo assoviando.
— Ah, vou. Assoviando e dando pulinho. Olhe, já sei o que eu vou fazer.
Vou apresentar você a uma amiga minha. Ela vai tirar todo o seu medo.
— Sei. Uma dessas transcendentalistas.
— Não, é daqui mesmo. Codinome Neca. Com ela é tiro e queda.
Figurativamente falando, claro.
— Hein?
— O quê?
— Do que é que nós estamos falando?
— Do que é que você está falando?
— Daquilo. Da morte.
— Ah.
— E você?
— Esquece.

Mr. Nonsense disse...

para que conste eu também gosto de Luis Fernando Verissimo... e tambem não sabia que ele é filho do Erico Verissimo.
mas se querem citações fiquem com esta:

Eva

Na velha questão sobre a origem da humanidade, eu defendo o meiotermo.
Um empate entre Darwin e Deus. Aceito a tese darwiniana de que o
Homem descende do macaco, mas acho que Deus criou a mulher. E nós somos
a conseqüência daquele momento mágico em que o proto-homem, deslocandose
de galho em galho pela floresta primeva, chegou à planície do Éden e viu a
mulher pela primeira vez.
Imagine a cena. O homem-macaco de boca aberta, escondido pela
folhagem, olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita. Como Vênus
recém-pintada por Botticelli, com a tinta fresca. Eva es-preguiçando-se à beira do
Tigre. Ou era o Eufrates? Enfim, Eva no seu jardim, ainda úmida da criação. Eva
esfregando os olhos. Eva examinando o próprio corpo. Eva retorcendo-se para
olhar-se atrás e alisando as próprias ancas, satisfeita. Eva olhando-se no rio,
ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem. Seus
dentes perfeitos faiscando ao sol do Paraíso. E o quase-homem babando no seu
galho. E,
com muito esforço, formulando um pensamento no seu cérebro primitivo.
"Fêmea é isso, não aquela macaca que eu tenho em casa."
Há controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam que quando Eva
foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos. E ela reinou sozinha no Paraíso por
duas luas. E, instruída por Deus, deu nome às coisas e aos bichos. E chamou o
rio de rio e a grama de grama, e a árvore de árvore, e aquele estranho ser que
desceu da árvore e ficou olhando para ela como um cachorro, de Homem. E
quando o Homem sugeriu que coabitassem no Paraíso e começassem outra
espécie, Eva riu, concordou só para ter o que fazer, mas disse que ele ainda
precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela. E desde então temos tentado.
Ninguém pode dizer que não temos tentado.